Bonjour, monsieur!

31 de agosto de 2017
Tudo começa com um bom dia
Estava outro dia em uma cafeteria com um grupo de amigos, tomando um café e conversando sobre trivialidades, quando, em certo ponto da conversa, o assunto imigração começou a tomar forma. Não demorou muito para que um deles apontasse algo que ouvira um conhecido dizer: 


"Ah, acho que tem que ser cada um em seu país e era isso!" 
Irônico, no mínimo. 
O papo começou a ficar bem interessante na sequência, pois tentávamos entender o ponto de vista de pessoas que pensam assim e, em tempos de extremismos, sabemos que elas não são poucas. 
Nem vou falar sobre o País, pois (espero) todos sabem que o mesmo foi forjado por imigrantes. Quero falar mais especificamente sobre o Rio Grande do Sul, que foi o foco que a conversa tomou naquele dia. 
Até onde sei, o Rio Grande do Sul se orgulha de ser uma terra de imigrantes, isto é um fato. As levas de italianos e alemães que se instalaram em colônias no interior, a partir do século XIX, são apontadas como fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do Estado. Mas, apesar dos fortes traços que eles deixaram, não foram apenas eles que aportaram aqui. Poloneses, russos, japoneses, espanhóis e, pasmem, até mesmo portugueses deixaram a sua marca, ainda que em menor número, por aqui. Lá pelas décadas de 70 e 80, o Estado começou a receber muita gente da América Latina também, a grande maioria fugindo de suas respectivas ditaduras. 
A questão é: estamos (ou deveríamos estar) acostumados a receber estrangeiros. 
Talvez seja este o motivo que me deixa mais confuso quando vejo comentários do tipo: "Cada um na sua", em relação aos haitianos, senegaleses e outros imigrantes que começaram a desembarcar em terras gaúchas há alguns anos...  ora, as circunstâncias históricas são outras, mas essa nova leva de imigrantes guarda uma semelhança fundamental com os italianos e alemães que chegaram aqui em outrora: pobres, sem perspectivas em seus países de origem, chegando aqui buscando nova vida, tanto de direitos quanto de cidadania. 
"Mas e o que diabos o título da crônica tem a ver com o que você tá falando?" deve estar se perguntando o leitor mais curioso. 
Dias antes desta conversa na cafeteria, algo que presenciei ficou pipocando na minha cabeça por algum tempo. Acho que assim como Gordie Lachance com seu cervo, eu também fiquei guardando o episódio para mim. Degustando um momento que, até agora, foi só meu. 
Era uma manhã  como qualquer outra e eu estava caminhando até o local onde trabalho, uma caminhada de cerca de vinte minutos do ponto de ônibus até o escritório. 
E lá estavam eles, colocando suas mercadorias pelas calçadas do centro de Porto Alegre, seus fones de ouvido, seus ' fidget spinners', baterias reservas, meias e uma infinidade de coisinhas que eles negociam.
Em certo ponto do caminho, passei por uma loja de cavalheiros, daquelas que vendem ternos, gravatas, coletes... Vocês sabem, roupa de gente grande. Um senhor, devia ter seus sessenta e poucos anos, estava abrindo as folhas metálicas de sua loja para o inicio de mais um dia de trabalho.  
Na calçada, ao lado da vitrine da loja, um negro com o dobro da altura do senhor colocava as suas mercadorias em cima das suas vitrines improvisadas em papelão, caixas de madeira e tecidos coloridos. E, enquanto eu passava, enquanto o senhor abria as folhas de suas vitrines, enquanto o homem colocava suas mercadorias na calçada... enquanto tudo isso acontecia, pude ver os dois se olhando por uma fração de segundos. Eles se olharam e, contrariando um pensamento que muitos na posição dele teriam, o senhor virou e disse:
"Bonjour, monsieur!" um sorriso sincero estampando seu rosto.
Para que o negrão respondeu:
"Bonjour!" outro sorriso cheio de dentes.
Me chame de romântico, mas achei aquele gesto de ambos tão singelo, tão... puro. Que simplesmente me fez ganhar o dia. Quiçá a semana. Aquilo foi um vendedor desejando bom dia para outra pessoa que, assim como ele, estava tentando ganhar mais um dia de sustento. Imigrante ou não. 
Não. Não acho que ele (ou qualquer um) deva trabalhar na ilegalidade, seja ele haitiano, senegalês, brasileiro, boliviano... existem os trâmites legais para que tudo fique certinho. Mas às vezes, muitas vezes pra falar a verdade, falta empatia. Muitos deles deixaram suas famílias em seus países de origem, mulheres, filhas e filhos, irmãos, irmãs... 
Estas pessoas estão aqui única e exclusivamente porque querem? 
Esta foi uma pergunta retórica. 
Espero viver o suficiente pra ver a balança dar uma guinada na direção de menos pessoas "cada um na sua" e por mais pessoas "bonjour, monsieur". 
Toda mudança acontece devagar, um bom dia por vez. 

2 comentários

  1. E meu sobrinho querido vejo que estou no caminho certo todos os meus dias começam com muitos BOM DIA!!!

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    1. Todos deveriam fazer, assim, tia!! Tudo começa melhor com um "bom dia!" Obrigado pela leitura.

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